-“Quantas cores você enxerga no anteparo, aqui, após a
cortina? Garoto.”-Disse a doutora, afastando o paninho que obscurecia a luminescência
reflexiva da disco ball.
-“Preto e branco, doutora.”-Disse o jovem, lacônico e
indiferente.
-“Você tem miopia, garoto.”
-“Mas... Eu costumava ver cores, há anos atrás.”-Replicou o jovem, ainda indiferente. Sua fisionomia era fraca; com olheiras fundas; e a
pele, esbranquiçada, como se todo seu conjunto fosse resultado de uma maçante jornada
intelectual forçada.
-“Eu também, garoto. Nossa doença? Somos suicidas. Todos nós, exceto alguns poucos reacionários que, conscientes desta degradação social irreversível, escapam das garras da frígida realidade a que somos dispostos."
A doutora sentou-se na mesinha ridiculamente pequena,
passando a rabiscar a ficha do paciente atual, movimentando a caneta em gestos maquinários.
O garoto já tinha saído da sala. Na verdade, já saia do
hospital. Já tinha ouvido o bastante. Estava morto, pois não podia ver cores.
Se você não usar óculos para a sua miopia, nunca será livre.
ResponderExcluirÉ questão de livre arbítrio.
Você sabe.
Todos sabemos.