22 de mai. de 2013

A Disco Ball


-“Quantas cores você enxerga no anteparo, aqui, após a cortina? Garoto.”-Disse a doutora, afastando o paninho que obscurecia a luminescência reflexiva da disco ball.
-“Preto e branco, doutora.”-Disse o jovem, lacônico e indiferente.
-“Você tem miopia, garoto.”
-“Mas... Eu costumava ver cores, há anos atrás.”-Replicou o jovem, ainda indiferente. Sua fisionomia era fraca; com olheiras fundas; e a pele, esbranquiçada, como se todo seu conjunto fosse resultado de uma maçante jornada intelectual forçada.
-“Eu também, garoto. Nossa doença? Somos suicidas. Todos nós, exceto alguns poucos reacionários que, conscientes desta degradação social irreversível, escapam das garras da frígida realidade a que somos dispostos."
A doutora sentou-se na mesinha ridiculamente pequena, passando a rabiscar a ficha do paciente atual, movimentando a caneta em gestos maquinários.
O garoto já tinha saído da sala. Na verdade, já saia do hospital. Já tinha ouvido o bastante. Estava morto, pois não podia ver cores.

Um comentário:

  1. Se você não usar óculos para a sua miopia, nunca será livre.
    É questão de livre arbítrio.
    Você sabe.
    Todos sabemos.

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