Tenho um amigo chamado Eduardo. Ele é um quase-poeta, amante
verdadeiro da poesia. É o tipo de indivíduo que vê poesia nas coisas mundanas e
insossas aos olhos dos passantes mundanos.
Uma vez
ele se apaixonou por uma “funkeira” arquetípica, Juliana; ou Ju, para os mais
íntimos; ou até Ju Barte para os frequentadores dos mesmos ambientes da moça.
Ela não inspirava nenhum Soneto de Fidelidade.
Não inspirava nem mesmo um haicai pós-modernista. Usava roupas de liquidação,
de número menor que seu manequim, possibilitando que alguns excessos se
tornassem visíveis. Não que a vestimenta do indivíduo determine sua
personalidade, mas, na grande maioria das vezes, dá indícios certeiros de suas
nuances.
Lembro d’ele ter escrito um
soneto à pretendida, que, dentro de suas possibilidades, ficou esplêndido.
Versos decassílabos, perfeitamente métricos; e rimas ricas, quase parnasianas,
só que objetivas.
Eram tempos obscuros. O Orkut reinava,
e Eduardo dedicou a ode à sua paixão pelo meio que imperava no período:
depoimento, ou “depô”. A homenageada
nunca o leu, pois achou cafona e “chato” ( termo comunmente empregado por
trogloditas em face a algo novo, de beleza naturalmente complexa, ou seja, que
exija esforço por parte da massa cinzenta).
Eduardo não se deixou abater, e
continuou fielmente em sua contenda por meses a fio, tricotando sonetos cada
vez mais complexos para exaltar sua paixão platônica.
Até ter seu coração partido.
Mas ele continuou poeta. Ainda vê
poesia nos casais de pombas que compartilham a pipoca da senhora idosa,
enquanto espera o ônibus. Ainda vê poesia no namoro das figueiras, em frente a sua casa. Ainda vê poesia na compaixão da tia Zilda, cobradora da linha Assis Brasil-Centro, que recebe
todos os passageiros indiferentes com
seu sorriso largo e espontâneo. Ainda vê poesia no modo como sua avó sexagenária
trata seu avô moribundo. Ainda vê poesia nos prédios antigos que vislumbra à
janela do ônibus, no caminho para do trabalho, no centro de Porto Alegre. Ainda
vê poesia na dança das luzes que ocorre diariamente nos engarrafamentos de fim
de tarde, na Avenida Assis Brasil. Ainda vê poesia no modo como sua irmã caminha,
passo por passo, como se cada nova pisada fosse uma conquista.
Ainda vê poesia nas coisas.
Ele vê essa poesia pois é
apaixonado pela vida, aceitando sua perfeição natural, sem se apegar ao inalcançável;
e sim apreciar aquilo que lhe é permitido apreciar.
Pois a poesia está nos olhos do
apaixonado.